48 anos após desastre, moradores de Itapipoca temem novo arrombamento do Açude da Nação
Temor de novo desastre reacendeu após alertas do MPCE sobre risco na estrutura. Enquanto o Município alega estabilidade e manutenção, o MP aponta omissão e cobra medidas
Quatro décadas após o rompimento em 1977 do Açude da Nação, em Itapipoca, moradores voltam a temer um novo desastre. A questão ganhou repercussão desde a última terça-feira, 13, quando o Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Itapipoca, informou sobre o "possível risco de rompimento", após relatórios da Defesa Civil, da Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado e do Corpo de Bombeiros.
O MPCE também divulgou que tem adotado "reiteradas iniciativas para que a Prefeitura de Itapipoca adote medidas eficazes e urgentes em relação ao Açude da Nação", diante da possibilidade de um desastre ambiental e humano.
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O órgão informou que fará audiência com a Prefeitura de Itapipoca na terça-feira, 20, para propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para formalizar medidas para evitar o rompimento.
Em resposta à declaração do Ministério Público, a Prefeitura de Itapipoca afirmou na quarta, 14, que não procede a informação de que tem se mantido omissa à situação do Açude.
Segundo a gestão municipal, inspeções periódicas têm sido realizadas nos últimos anos por meio da Defesa Civil. Também disse que foram adotadas medidas corretivas para identificar riscos.
O POVO questionou a Prefeitura de Itapipoca, por meio da assessoria de imprensa, sobre quais seriam essas medidas corretivas, mas não obteve resposta.
Ainda na quarta-feira, 14, o prefeito Felipe Pinheiro (PT) tranquilizou a população e anunciou nas redes sociais que o Município receberia uma visita técnica da Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará.
A vistoria ao Açude da Nação foi realizada na manhã dessa sexta-feira, 16. Em vídeo nas redes sociais, o secretário de Recursos Hídricos, Fernando Santana, afirmou que a estrutura está em "total segurança". Segundo ele, um relatório técnico será entregue até segunda-feira, 19, à Prefeitura de Itapipoca.
Na ocasião, Antônio Lucena, diretor de Água Superficiais da Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra), também afirmou que a inspeção mais recente já confirmava a estabilidade do açude.
"A última foi em 17 de março de 2023, quando constatei que a obra se encontrava em plena condição física. Hoje, a situação está ainda melhor", afirmou.
Segundo ele, "não existe nenhum evento de anomalia no maciço, apenas pequenas erosões na parte montante, que vamos corrigir com enrocamento. Ou seja, com material pétreo proveniente da escavação do sangradouro da Barra e de Gameleira".
Lucena destacou ainda que a intervenção prevista é de manutenção preventiva: "Não se trata de uma obra corretiva por risco iminente. A estrutura não apresenta risco algum".
Em contraponto, o Ministério Público do Ceará (MPCE) informou que realizará, na próxima terça-feira, 20, uma audiência com a Prefeitura de Itapipoca para tratar da situação do Açude. Na ocasião, o MP proporá a de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para formalizar o compromisso da Prefeitura em adotar medidas para evitar o rompimento.
Segundo o MPCE, a situação do Açude da Nação é acompanhada desde 2019, quando recomendou à Prefeitura de Itapipoca e à Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) que reforçassem a segurança das barragens após fortes chuvas. A SRH teria atendido à recomendação, mas alertou para o risco elevado de rompimento.
Ainda conforme o MP, reuniões com a Prefeitura foram realizadas em 2019, 2021 e 2022, nas quais o Município se comprometeu a apresentar um cronograma de ações preventivas. “Mas o documento não chegou a ser enviado. Em 2022, o MP ainda propôs a de um Termo de Ajustamento de Conduta com o Município, o que foi recusado pela Prefeitura”, disse o órgão.
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Relatórios técnicos da Defesa Civil, SRH e Corpo de Bombeiros também vêm apontando, nos últimos anos, a urgência de medidas concretas para mitigar o risco de rompimento do Açude da Nação. Mesmo assim, segundo o MP, a Prefeitura não implementou nenhuma ação prática, o que motivou a convocação de uma nova audiência neste ano.
Medo de uma nova tragédia
O Açude da Nação, construído em 1889 com recursos do Governo Imperial (Nação), rompeu no dia 30 de março de 1977, após dias de chuvas intensas. O desastre causou a morte de duas pessoas, destruiu cerca de 60 casas e deixou aproximadamente 400 desabrigados.
Atualmente, o Açude da Nação funciona como barramento das águas que descem da serra, desaguando em sua bacia. O reservatório também contribui para a recarga dos cacimbões que abastecem Itapipoca.
O morador Heitor Vasconcelos, 27, reforça a gravidade caso ocorra um novo rompimento. “Tem muitos prédios importantes próximos. O estádio Perilo Teixeira; a Câmara de Vereadores, o Procon, o INSS, o Fórum Eleitoral, a Justiça Federal e escolas de tempo integral”.
Para ele, o reservatório deveria ser desativado. “Ele não é próprio para banho, não abastece a cidade. Só junta mosquito, representa risco de afogamento e para ameaçar a população toda vez que chove”, comenta.
Eurian Teixeira Assunção, 67, nasceu em Itapipoca e mora a 60 metros do Açude da Nação.“Quando arrombou, não causou nenhum prejuízo para mim, que morava do lado oposto ao das águas. Na época, a área era pouco povoada. Hoje, se arrombar, não tem cemitério que dê conta”, afirma.
Ele diz que os temores de arrombamento se repetem todo período chuvoso e critica a falta de manutenção por parte da Prefeitura. “A gente ainda vê muitos formigueiros ali. Também nascem plantas, as raízes se aprofundam e causa infiltração na parede do açude”, destaca.
Eurian, contudo, se posiciona contra a desativação do açude. “É uma área que retém água e alimenta o lençol freático. Se você tira um açude, as cacimbas e até a própria vegetação, o clima, sofrem com isso”.