Grades nas igrejas de Fortaleza continuam sendo necessárias para reforçar segurança, dizem párocos 4u3n1z
Estruturas foram instaladas em parte das igrejas da Cidade com o objetivo de conservar os espaços. Algumas delas foram colocadas há décadas
A existência de grades em algumas igrejas de Fortaleza é um fato antigo para os fiéis que comparecem aos templos e para a população que transita próximo às construções. Apesar de, em alguns casos, a estrutura ter sido instalada há décadas, a questão da segurança continua a ser justificativa comum entre as igrejas gradeadas.
Igrejas como a Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora do Patrocínio e a do Pequeno Grande, localizadas no Centro de Fortaleza, são algumas entre os tantos templos da Capital que têm grades separando o prédio das ruas.
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Também localizada no Centro, a Paróquia do Santuário Sagrado Coração de Jesus é rodeada por grades. Formada por dois andares, a igreja é composta pela estrutura em toda a área externa do andar inferior. O reitor do santuário, Frei Raimundo Matos, explica que as grades foram instaladas no início da década de 1990 devido à violência.
“As grades que nós temos hoje foram colocadas em virtude de uma situação social que apareceu na época. A dificuldade era a dos ‘meninos de rua’. Eram muitos meninos, e a igreja é muito larga, muito grande. Embora tendo um vigia para isso, a iniciativa foi colocar grades nas portas e deixar uma única entrada e saída para o santuário”, afirma o pároco.
Apesar de levar em conta um contexto de quase 30 anos atrás, a necessidade de reforço da segurança é pertinente ainda hoje. Além das grades que separam a entrada do prédio da avenida Duque de Caxias, um gradil branco foi instalado na lateral da paróquia entre 2021 e 2022, próximo ao Terminal e à Praça Coração de Jesus.
“É uma proteção que foi encontrada para a gente manter o prédio mais ou menos em ordem. Por falta de gestão pública, a praça Coração de Jesus é entregue, como sempre foi, aos moradores de rua. Por falta de banheiro público, de políticas públicas, o pessoal vem fazer da igreja um espaço para banheiro”, explica Frei Raimundo.
Segundo o reitor, a instalação foi feita dentro de um projeto, com um arquiteto, e de acordo com as secretarias responsáveis. Para ele, a intervenção interfere na fachada da igreja, mas foi considerada necessária.
“É uma segurança imprescindível para nós hoje. A gente não está expulsando, a gente está preservando o prédio para que as pessoas possam conviver em torno da igreja normalmente, já que o espaço da praça é público. É de todo mundo”, pontua.
Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) informou que oferece serviços socioassistenciais, alimentação e lugares para higiene voltados à população em situação de rua em diferentes pontos da Cidade.
Veja a nota da SDHDS, na íntegra:
“Para a população em situação de rua, a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), oferece alimentação diária, locais para higiene pessoal, serviços socioassistenciais e locais de acolhimento em diversos pontos do Centro de Fortaleza.
Estão disponíveis duas pousadas sociais (av. Dom Manoel, 1250 e Av. do Imperador, 769), também o Espaço de Higiene Cidadã (av. Dom Manoel, 1250), Centro de Convivência (av. Dom Manoel, 720), Refeitório Social (rua Padre Mororó, 686) e os Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (av. Jaime Benévolo, 1059)”.
Catedral de Fortaleza: grades na área externa foram instaladas há mais de 20 anos 4p34i
A Catedral Metropolitana, sede da Arquidiocese de Fortaleza, também é um dos templos que contam com grades na área externa. O padre Clairton Alexandrino de Oliveira, pároco da igreja, conta que a estrutura existe há mais de 20 anos e que também foi instalada com o objetivo de reforçar a segurança do local.
O pároco relembra que, na época em que chegou à Catedral, pessoas em situação rua se reuniam na escadaria da igreja e que o espaço acumulava sujeira e um forte odor de urina.
“Nós não expulsamos as pessoas, foi com muito respeito. Nós dissemos ‘aqui bate o sol, é muito quente, vocês [moradores de rua] podem pegar doenças. Vocês vão lá para a Praça dos Leões, tem muita árvore, muita sombra, e nós vamos oferecer para vocês um banheiro e uma sopa com pão’. E, assim, nós fizemos essa promessa e realizamos. Quando eles saíram, foram colocados vigias e o gradil foi instalado.”
Apesar de considerar que o ambiente “mudou completamente” com a instalação das grades, o padre apontou que a contratação de vigias foi feita apenas temporariamente. Segundo ele, no entanto, problemas de segurança ainda fazem parte da realidade do entorno e seria necessária uma maior atuação da Polícia.
Em nota, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou que realiza policiamento preventivo e ostensivo na Capital, na Região Metropolitana e nos municípios do Interior e que, nas áreas do entorno de templos religiosos, o patrulhamento é realizado por meio de viaturas ou a pé.
Em 2019, a instalação de grades na Igreja de São Pedro, na Praia de Iracema, também foi sugerida pelo padre Clairton Alexandrino. Porém, a realização da intervenção não teve a autorização da Secretaria Regional II.
O padre informou que, na época, entrou em contato com um representante da Coordenadoria Especial de Articulação das Secretarias Regionais, durante a gestão do então prefeito Roberto Cláudio, e recebeu um projeto para a realização da instalação. No entanto, a obra foi interrompida pela Regional II e considerada irregular, pois o projeto ainda não havia sido analisado e, por isso, não tinha autorização.
Grades nas igrejas: segurança ou arquitetura hostil? 622m2x
Arquiteto e professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Romeu Duarte considera que as intervenções descaracterizam a fachada dos templos e faz com que esses espaços não possam ser irados como eram antes.
“Eu entendo a questão da segurança, mas eu acho que esse tipo de coisa se resolve com a Polícia. É o caso de procurar a segurança, seja privada ou pública, para que os edifícios fiquem livres desse tipo de agressão e possam ser irados, pela beleza arquitetônica e pelo valor simbólico, e não ficar reféns dessa arquitetura do medo, que tem transformado esses espaços em jardins proibidos”, analisa.
Além de afetar a estrutura das igrejas, o professor aponta que esse tipo de instalação pode gerar uma maior dificuldade no o aos templos, criando um distanciamento.
“Eu acredito que esses espaços deveriam ser protegidos de uma maneira mais inteligente, que não os transformasse em uma espécie de prisão, o que acaba construindo esse divórcio em relação à Cidade que não é interessante”, complementa.
Padre Júlio Lancelloti é um dos principais nomes que atuam no combate desse distanciamento e na luta contra a aporofobia — preconceito direcionado a pessoas pobres.
Em agosto de 2022, o religioso publicou um vídeo nas redes sociais em que aparece retirando as grades em torno da Igreja São Miguel Arcanjo, em São Paulo, por considerar a estrutura como um tipo de arquitetura hostil.
Segundo o professor Romeu Duarte, a temática poderia ser solucionada a partir da realização de consultorias técnicas e projetos. “Será que a Basílica de São Pedro, em Roma, tem grade? [Catedral de] Notre-Dame tem grade? Não tem. Você resolve a segurança desses templos de outra forma. Seja com controles internos, tecnologia de leitura de entrada e câmeras do que cercar o edifício de gradis e simplesmente transformar aquele espaço que deveria ser dos fiéis em um lugar inóspito e hostil”, finaliza.
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